Você já se deparou com algum professor de matemática dizendo: “esse problema de matemática é lindo”, “tudo é matemática” ou “a matemática é a melhor”? Penso que eles dizem essas coisas para despertar em nós o mesmo interesse que eles têm pelas exatas, mas na verdade sabemos que isso nem sempre acontece. Por mais que esses mestres considerem a matemática como a principal protagonista do saber, saiba que não precisamos manter necessariamente este hiperfoco nos nossos projetos de educação domiciliar.
Estou querendo dizer que não devemos nos sentir mal ao rebaixar a matemática à condição de uma personagem coadjuvante de uma história que seja mais significativa para nós e nossos filhos. Estou te sugerindo que é possível estudar as exatas em segundo plano, sem que nem mesmo pais e filhos se deem conta que estão aprendendo matemática. Posso te dar um exemplo concreto e que está bem fresquinho. Enquanto estou escrevendo agora, o meu objetivo é produzir um texto sobre educação de filhos, mas ao mesmo tempo estou estudando aplicações dos conteúdos das disciplinas de exatas e estou aprendendo nesse processo, tanto com as humanas quanto com as exatas.
Posso ilustrar isso com uma doce história. Tenho três filhos e após almoçarmos tínhamos o costume de repartir uma barra de chocolate entre nós quatro. Não era muito difícil fazer essa operação de divisão quando a barra tinha oito pedaços, pois cada um de nós ficava com dois pedaços. O problema surgiu quando eu tomei coragem para cortar a sobremesa da minha dieta. Não pude imaginar que a minha maturidade nutricional levaria meus filhos a amadurecer a álgebra deles, pois agora tinham que encontrar uma maneira de dividir os oito pedaços entre os três.
Este é um exemplo sobre como pode ser criado um estudo de matemática em segundo plano, contido dentro de outro projeto principal e mais atrativo, que poderia ser chamado de: o que vamos comer de sobremesa? Já que nenhum dos meus três filhos abriu mão da parte do resto da divisão dos pedaços, cada um deles teria que pegar 8/3 da barra de chocolate. As calculadoras dizem que o resultado dessa divisão é uma dízima periódica: 2,666…
Eu não me ofereci para ajudar os meus filhos com esse problema, até porque eu estava afastado por conta da abstinência, mas eles mesmos chegaram à conclusão que para cada um pegar 8/3, isso seria o mesmo que pegar dois inteiros mais ⅔ de um pedaço. Tirando a prova real, verificamos que 3 x (2 + ⅔) = 8. Nós esquecemos de realizar o registro dessa atividade de educação domiciliar, mas foi algo que incentivou a aplicação de diversas habilidades e competências: operações com frações, colaboração, autonomia e até habilidade motora para utilizar a faca sem quebrar o chocolate.
Muitas outras atividades deliciosas com as exatas poderiam ter sido realizadas na cozinha. Você sabia que as receitas de culinária são produzidas com o método científico? Primeiro cria-se uma hipótese de uma receita que poderia agradar o paladar de todos, depois realiza-se um experimento para verificar essa hipótese usando o forno. Caso as pessoas tenham curtido, ou seja, se a hipótese for validada, temos um modelo científico, que nesse caso poderíamos chamar de receita aprovada. Caso não tenha sido bem sucedida, é possível trocar alguns ingredientes, ou seja, substituir a hipótese inicial por outra até que seja conquistado um resultado apetitoso.
Penso que todas as atividades na cozinha poderiam ser consideradas científicas em alguma dimensão, pois envolvem sistemas de unidades e o uso de variáveis quantitativas como: massa, volume, tempo, temperatura, pressão, calorias, solubilidade, nível de acidez, umidade, viscosidade, dureza, aderência, elasticidade, rendimento, custo, entre tantas outras.
Recordemos também que existem mais atividades domésticas que afetam nossos bolsos. Ao realizarmos compras para casa podemos explorar: soma dos preços dos produtos, subtração dos supérfluos, multiplicação dos idênticos, divisão das contas, previsão de gastos, montante acumulado pela mesada para a aquisição do brinquedo, porcentagem do frete sobre o produto, desconto na compra por atacado, taxas de câmbio, parcelamento no cartão, empréstimo com juros simples e compostos, plano de pagamento de dívidas, tipos de investimentos, espécies de impostos, desvalorização monetária, etc. Diferentemente do meu cartão de crédito, esse assunto parece não ter limite.
Se estivermos estudando geografia, podemos levantar estes questionamentos: como são calculadas as estatísticas do IBGE? Por que mede-se o índice pluviométrico em milímetros e não em alguma unidade de volume? Como a inclinação da radiação solar interfere nas estações do ano? De que forma a temperatura e a pressão atmosférica suscitam os movimentos das massas de ar? Quantos graus de longitude correspondem ao fuso horário de uma hora? Como é possível calcular o diâmetro da Terra? Seria possível considerar que a Terra fosse plana, como faziam muitos povos na antiguidade?
Ao abordarmos as diferenças culturais no estudo da história, poderiam surgir mais perguntas: por que os brasileiros usam quilômetros e os norte-americanos usam milhas? Então o que é maior, um quilômetro ou uma milha? Um termômetro dos EUA em graus fahrenheit mediria qual valor os 38 graus celsius de febre no Brasil? Qual é a relação entre as polegadas inglesas e os centímetros franceses? Quantas libras do Reino Unido caberiam em um quilograma francês? Por que a potência dos automóveis medida em HP (horsepower) na Inglaterra é diferente do valor de um CV (cavalo-vapor) na França? Até quando essas vaidades competitivas vão influenciar escritores a discorrer sobre esse tema?
Muitas outras coisas poderiam ser mensuradas para melhorar a performance das máquinas e ainda há quem queira melhorar o desempenho dos seres vivos pelos estudos da biologia e da educação física. Neste caso é possível comparar diversas grandezas utilizadas na física, como por exemplo: tempo, deslocamento, velocidade, aceleração, peso, força, torque, energia, probabilidade, incerteza, etc. Sem falar que poderíamos levar em conta como reagem os tecidos orgânicos diante das substâncias químicas: H2O, minerais, oxigênio, gás carbônico, proteínas, vitaminas, hormônios, analgésicos, antibióticos, álcool, anfetaminas e drogas.
Não pense que estou alucinando quando digo que é possível fazer uso das exatas até mesmo nos projetos de português. Por exemplo, antes de começar a ler um texto como este, você não costuma passar os olhos por ele para estimar a quantidade de tempo de leitura, para então decidir se não seria melhor deixá-la para um momento mais oportuno? Não fazemos a contagem dos versos e das sílabas poéticas dos poemas? Alguém por acaso se esquece de contar o número de quadradinhos antes de fazer as palavras cruzadas ou os tracinhos antes de jogar forca? Você já notou a simetria óptica que existe nos palíndromos?
Eu desejo de coração que esta breve reflexão tenha contribuído para destacar alguns pontos de conexão que existem entre as ciências exatas e os seus mais preciosos projetos de estudo, afinal de contas, mesmo em segundo plano, eu as vejo em todo lugar. Você também pode vê-las?
Marcio Kobayashi, São Paulo, 19/05/2023